Atos Falhos, Chistes e Sonhos


Atos falhos e suas revelações “sem querer querendo” (Chaves, personagem da série humorística, com o ator, já falecido
Roberto Bolaños). Chistes, brincadeiras com fundo de verdades, mensagem em forma de humor, travestidas para comunicar o constrangedor, o delicado, o preconceito, racismo, discriminações no geral; rejeições, bloqueios inconscientes. Os sonhos e seus enigmas, símbolos, projeções do inconsciente que afloram externando conflitos.

As contradições humanas, os recalques, as pulsões reprimidas, o ego detido, as feridas camufladas... dificultando as relações.

Relações interpessoais necessárias, úteis no contexto social, seja familiar, seja ambiente de trabalho, ou qualquer outra instancia de contatos sociais.

Quando Freud cita o ato falho, como um lapso na fala, na memória. Para ele nenhuma atitude humana externada é coincidência, em uma atuação concreta acarretada possivelmente pelo inconsciente. É o desejo do inconsciente aflorado.

Os chistes também são sinalizadores de algo oriundo do inconsciente, uma maneira como ele se expressa. As piadas, destacadamente as de cunho capciosos, irônicas, com mensagens indiretas, carregadas de humor mordaz, seriam ferramentas para a liberação de ideias e sentimentos reprimidos.

Assim, como o sonho é levado a sério na psicanálise por, dentre outras observações, influenciarem nosso comportamento e pensamentos.

Estas sinalizações são levadas em conta, no processo da análise pelo método da associação livre, na mesma, o sujeito principal é o inconsciente cujo psicanalista vai dar objetividade mais clara para o paciente trazendo a interpretação àqueles sinais como cita Lenita Pacheco Lemos Duarte referindo a interpretação dos sonhos na análise em seu artigo: O ato falho cifrado: que lugar para o ato analítico? 1

Na associação livre, a metodologia estimula a expressão, sem restrição, do analisado, identificando no mesmo, na sua espontaneidade, eventuais atos falhos, chistes e estimulando ao mesmo falar de seus sonhos

Um caso exemplar e famoso de ato falho e chistes, respectivamente foi praticado pelo famoso jornalista Boris Casoy.

No primeiro, ele diz: “Boa noite amigos da Globo”. Não teria sido um desejo em seu inconsciente que foi aflorado, de trabalhar na referida emissora? Em outro momento, numa festa de ano novo, ao ver garis alegres, celebrando a passagem de mais um ano afirmou: “Que m...: dois lixeiros desejando felicidades do alto da suas vassouras. O mais baixo na escala do trabalho".  

Boris expressou a sua mais profunda arrogância, externando desprezo por pessoas que, na escala de valores dele, não podem ser felizes sem muito dinheiro. Provavelmente ele não admitia, nem pra si mesmo, esse nível de preconceito. Desmoronou a imagem que o jornalista tinha consolidada de homem defensor da justiça, de combatente da corrupção. Como pode alguém com esta reputação externar um desprezo tamanho por outros seres humanos, trabalhadores que ganham honestamente o seu salário, independentemente do valor?

Flagrante semelhante, anos depois, que foi “vítima” em uma expressão também, supostamente em “off”, o jornalista William Waack, quando disse: Tá buzinando por quê, seu m... do cacete? Não vou nem falar, porque eu sei quem é… é preto. É coisa de preto!

  O politicamente correto, o respeito as pessoas por serem pessoas, colocado em cheque, mas que, alguns só se expressam em “off”. No caso em questão, por estar no inconsciente recalcado, nem no particular queremos falar algumas coisas. Quando falamos vem o ‘OPS’!

Aspectos culturais valorizados no passado e que na contemporaneidade são tidos como abjetos, como racismo por exemplo (levo em conta o tempo da escravidão de negros no ocidente, os mesmos tratados como propriedades, como animais); A maneira como as mulheres eram tratadas e como hoje, devem ser, pelo homens. Novos conceitos, novos valores, confrontando a cultura, conceitos e valores anteriores.
O que quero expressar: Apesar da cultura e conceitos conscientes, mediante estudos e influências, os referidos jornalistas exteriorizaram valores, percepções no que se refere a discriminação social e racial respectivamente. Manifestações que vão além da razão.

Freud identifica em seus estudos que, tanto nos chistes como no ato falho há falha na expressão da fala. O que desperta o humor nos chistes é pelo fato da credibilidade da palavra ser duvidosa. Há uma mudança de significado de forma inesperada. Neste contexto pensamos em verdades partidas, imprecisas. Como afirma Lacan (1969-70/1996, p. 49): "[...] nenhuma evocação da verdade pode ser feita se não for para indicar que ela só é acessível por um semi-dizer, que ela não pode ser inteiramente dita porque, para além de sua metade, não há nada a dizer". 2

Tanto os atos falhos, sonhos, como os chistes, dentre outras sinalizações, são importantes na identificação de questões que ainda não estão solucionadas dentro do paciente. Apesar de inconscientemente ele tentar esconder ou disfarçar, na ilusão de que está tudo resolvido.

Muitas coisas mal resolvidas estão obscuras e enigmáticas no inconscientes. O psicanalista atento, pode, através da análise, levando em conta, pelo método da associação livre, principalmente, atos falhos, chistes, sonhos, dentre outros, que são sinalizações oriundas do inconsciente de que tem algo pendente a ser resolvido. As vezes, ainda pequenos, identificados, podem ser de mais fácil solução; as vezes mais profundos e graves.  

Nosso inconsciente tem muito a nos revelar, mesmo que insista em ficar lá escondido. E se não fosse através dos atos falhos, chistes, sonhos, talvez não conseguiríamos descobri-lo e solucionar pequenos problemas que podem também se transformar em gigantes.

No identificar o problema nos conhecemos melhor e podemos nos tornar pessoas melhores, mais saudáveis.

 

Pedro Luis da Silva

prpedroibis@gmail.com

 

 

1-       Lenita Pacheco Lemos Duarte - Associação Fóruns do Campo Lacaniano - Rio de Janeiro - AFCL RJ Internacional dos Fóruns do Campo Lacaniano - IF-EPFCL-Brasil Formações Clínicas do Campo Lacaniano – endereço do artigo - http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1676-157X2013000200009

2-        (1969–70). O Seminário, livro 17: o Avesso da Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996.

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