Neurótico, Somos Todos Nós

Neuróticos, todos somos? Quem é mais nocivo, o neurótico ou o psicótico. A neurose como característica que identifica a humanidade no geral.

Se é comum, é normal, qual o limite do normal? Como a base de todas as neuroses vem da infância, isso, talvez explique a massificação dos neuróticos. As nossas crianças nascem neste meio, sob nossas influências, na plenitude e abrangência do termo.


Reporto-me a realidade capitalista urbana, ocidental, com seu consumismo, pressão de status, vale-se mais pelo ter que pelo ser; a aparência em detrimento da essência. Entretenimento mais que reflexão e introspecção; relacionamentos superficiais, temporários e fúteis.

“Evitar o dinheiro é tão neurótico quanto ser apegado ao dinheiro”. Frase contida no livro Pai Rico, Pai Pobre de Robert Kiyosaki.

Podemos projetar esta frase na busca do equilíbrio em todas as áreas de desejos. O equilíbrio entre o desejo e o domínio próprio. A coisa não me controla, eu a controlo, sem ansiedade. Como escreveu o apostolo Paulo: “Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas convêm. Todas as coisas me são lícitas; mas eu não me deixarei dominar por nenhuma delas” (I Cor. 6.12).

O pensamento paulino sintetiza o equilíbrio ideal entre o desejo, o viver o desejo e suas consequências. Esta percepção leva-nos a busca para o que é pertinente, saudável, trazendo a reflexão, também acerca do que pode me dominar (vícios, impulsos...), levando-nos não a uma auto repressão, mas, a uma luta contra os desequilíbrios trazidos por nossa neuroses.

Na dimensão da ética, ainda nas frases de Paulo, quando ele expressa: “Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas convêm”, ele está falando, também do campo ético. Norberto R. Keppe expressou em um de seus livros: “A neurose é a doença da falta de ética”. Não seria correto afirmar que, uma das maneiras de frear nossas neuroses, seria a educação quanto aos princípios éticos?

Quando Alex Barbosa Sobreira de Miranda em seu artigo sobre ‘Neurose Obsessiva: Uma Introdução Conceptual’, alerta, dentre outros aspectos, sobre os excessos que a religião e/ou cultura na dimensão antropológica/sociológica exerce sobre o indivíduo, sem a devida elucidação da necessidade deste ditames.1

Uma boa ajuda para “nós” neuróticos, independente do grau, é a justificativa das regras impostas, quanto a sua pertinência. O esclarecimento pode ajudar na compreensão do que é mera repressão e necessidade importante para o convívio social. Por falar nisto lembrei do escritor e também pastor presbiteriano Rubens Alves quando ele atrela, em um de seus pensamentos relacionados a religião (quando falsa e enganosa), como sendo a mesma uma neurose coletiva em contraste com a ciência (verdadeira e honesta), parêntese meu, como fortaleza segura da verdade.

Ainda refletindo sobre regras, elas se intensificam, em vários seguimentos sociais, culturais e, principalmente religiosos, na maioria das vezes com bases e motivações falso moralistas; com mais proibições e repressões que com elucidações e propostas de escapes, isto agravando-se, e muito, quando se trata da sexualidade.

Vivemos em dois extremos: a máxima não se reprima e a necessidade de repressão inevitável no intuito de controle contra um eventual caos, evitando uma realidade de decadência moral e desagregação familiar neste modelo tradicional, não só cristão, mas, com algumas variações, também islâmico, judaico e, mesmo em sociedades oficialmente sem maiores vínculos religiosos.

Em confronto e contraste a isto o filosofo Michel Foucault denuncia que a repressão sexual é uma forma de controle e exercício de poder pela burguesia, principalmente no início de sua ascensão ao longo dos séculos XVII e XVIII.
Ainda, segundo Foucault, num atrelamento direto da repressão/controle da sexualidade a religião afirmava que era necessário vigiar, confessar e transformar em discurso. Só se falava de sexo com o intuito de proibir.

Nem um extremo nem outro. É certo que um dos principais fatores que desencadeiam a neurose é a repressão sexual, contudo pode-se trabalhar a educação sexual sem necessariamente reprimir, mas educando, elucidando, esclarecendo, amando.

Os pontos de fixação nos neuróticos são exteriorizados/ manifestados principalmente em momentos de fragilidades emocionais.

Sem a pretensão de detalhar os mesmo, mas comentando, numa reflexão para os dias atuais, voltando ao assunto do início sobre sociedade de consumo.  Uma sociedade voltada não para a cura de nossas doenças da alma, mas sim “consoladora”, uma estrutura de oferta/consumo com “produtos” paliativos, escapistas.

Estruturas e suas propagandas alimentadoras de egos, com lemas ligados a posses matérias, bens de consumos. “Venha ser feliz, compre aqui”.

A neurose é coletiva, o lema é: você pode ser melhor, mais bonito do que o outro, seja um vencedor. Não baseado na essência, mas na aparência.

Os valores distorcidos pela estrutura neurótica, não é combatida, mas usada, após estudos profundos e precisos, como arma de propaganda estimulantes ao/para o consumo.

Precisamos perceber a nossa individualidade e pensarmos a nossa própria existência, numa relação direta com nosso crescimento e futuro, seguindo a linha de alguns pensadores como Daniel Goleman, que apontam uma ideia de minimização de nossas neuroses coletivas buscando o estado de flow, ou seja, o fluxo interno, focado em nosso objetivo de vida.

Quem é mais perigoso o neurótico ou psicótico? Resposta: o neurótico. O psicótico, no geral, não se encaixa, não parece ser normal, não influencia (para não errar no todo, com as devidas exceções), o neurótico é o comum. Os neuróticos governam, fazem e propagam as suas ideologias, prevalecem.

Somos nós, são eles.

 

Pedro Luis da Silva                                                         

prpedrro@gmail.com

 

1.       MIRANDA, Alex Barbosa Sobreira de. Neurose Obsessiva: Uma Introdução Conceptual [online]. Psicologado, (2013) [viewed date: 29 Jul 2020]. Available from https://psicologado.com.br/abordagens/psicanalise/introducao-ao-conceito-de-neurose-obsessiva

Comentários

  1. Ótima reflexão Pedro Silva. Somos todos neuróticos ou todos pecadores?

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  2. Pr Pedro, parabéns pelo texto. Vou compartilhar, ok? Deus continue te abençoando grandemente em nome de Jesus, Obrigada.

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